Breve reflexão sobre a arte de ler
Ler é arte? Seguramente. Tornar-se leitor é partilhar da construção do texto, dando a este todos os significados que as vivências e sentimentos permitirem.
Numa espécie de beabá, comecemos por Marcelino Freire, escritor brasileiro, que disse: “Tem gente que fala que tem influências de outros escritores, acho isso uma sacanagem com o porteiro do prédio, os amigos do trabalho”. O porteiro, o amigo, o estranho na esquina, o cão da vizinha, a vida é a matéria-prima do escritor, da soma de ingredientes surge a ficção; a dose, a mistura, é receita que só deve ser usada uma vez, gerando obra única, original.
Essa obra por vezes vai ao âmago, o leitor a percebe reflexo daquilo que sente. Lembro Mário Quintana: “Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente... e não a gente a ele!”
Fruto da criatividade e da sensibilidade, a obra literária, além de “ler o leitor” desvenda, mostra, trás luz ao que não está óbvio. Valho-me de Paul Klee, artista plástico: “O pintor não deveria reproduzir o visível, e sim tornar visível”. Ao que parece, as artes têm o desvendar como aspecto comum. Mas tal não é tão claro, definido. E, por isso, não existe a “versão certa”, a “interpretação definitiva”, o caminho do livro é pessoal e reflete o momento do leitor. É assim que o mesmo livro, lido com intervalo de anos, mostrará aspectos antes ocultos.
Concluo com Robert Bresson, cineasta: “O importante não é o que eles (os atores) me mostram, mas o que eles escondem de mim, e sobretudo o que eles não suspeitam que está dentro deles.” Novamente em outra expressão artística encontro referências sobre as descobertas. O livro que alguém lê não é lido por mais ninguém, compartilha-se apenas o título. O leitor reinventa, a cada leitura, a arte de ler: ele é senhor da interpretação.
Então, pode-se dizer, a cada leitura descobrimos o que o escritor esconde e, sobretudo, o que ele não suspeita estar no seu texto...
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